Álvaro Lapa
Reunião
Galeria Fernando Santos, Porto
14 Janeiro 4 Março a 2006
A Alusão Rítmica
Como há muito se sabe, a pintura de Álvaro Lapa é um idiolecto.
O que se sabe menos é como ele constrói essa linguagem tão singular que ninguém ainda lhe descobriu o código, quer dizer a sintaxe. Só ele a possui.
O que permanece enigmático nestas imagens inimitáveis, de certo modo esotéricas (esoterismo de código), é que elas nos dizem qualquer coisa. Ao mesmo tempo que se fecham em si mesmas, numa espécie de vontade abrupta de inexpressividade, o nosso olhar descobre lentamente um mundo e um estilo. (Hoje é relativamente fácil identificar uma imagem deste tipo: “é um Álvaro Lapa”, diz-se.) E quando há estilo não há idiolectos, já que o estilo é o que permite, entre outras coisas, a transferência do fluxo expressivo da obra para o espectador.
Em Lapa, o idiolecto é o estilo: eis o paradoxo maior desta pintura. Paradoxo que não resulta, no entanto, de uma concessão. Porque, nas raras obras idiolectais que se conhecem – citemos, antes de mais, os painéis do Grand Verre de Duchamp -, a singularidade é absoluta, implicando a unicidade exclusiva daquele objecto de arte, sem estilo que não o “seu”. Não se imagina uma outra obra com o “estilo” do Grand Verre: aquelas imagens reenviam a sequências únicas de sentido que se lhe estão associadas de modo desconhecido, incompreensível ou enigmático. Todo o talento está em abrir o idiolecto de modo a suscitar mil interpretações possíveis; portanto, de criar imagens susceptíveis de se encadear segundo mil sintaxes diferentes. É o caso da Mariée de Duchamp.
Lapa procede de outra maneira. O campo aberto pelo seu modo de fazer não é o do significado, não é o da imagem-símbolo nem o da interpretação. O problema parece ser agora o da abertura total do campo pictural. Álvaro Lapa pergunta: como é possível criar uma pintura que encerra todos os signos do universo? Como é possível fabricar um campo sintáctico que acolha todo o tipo de imagens heterogéneas? Ou ainda: qual o procedimento a utilizar para que se realize a pintura, como arte total, quer dizer, capaz de inscrever todos os signos do mundo (e, por conseguinte, todo o sentido do mundo)?
(…)
José Gil, 2005
Texto publicado na íntegra no catálogo da exposição “Reunião” na Galeria Fernando Santos