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Avelino Sá e Cristina Mateus – Diálogo

31.10 09.01.2016
Galeria Fernando Santos
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Há quem pense que a interpretação artística é uma cedência ao aburguesamento do pensamento.
Mas num mundo cada vez mais povoado de imagens – onde cada um de nós as produz e difunde – num mundo onde a imagem artística é hermética e suscita em quem a vê a incredulidade, em que só o espaço e os pares a legitimam, numa altura em que a teoria é desvalorizada, caberá aos espaços artísticos e aos artistas o diálogo com o público sob pena do mesmo se arredar de algo que lhe diz respeito: a Arte.
Como podemos ler numa das peças de Cristina Mateus: “estou-me nas tintas para a economia de mercado, para a política, para o direito canónico, para a arte.”
Não querendo fazer o papel de evangelizador, de taumaturgo que alivia as almas sedentas de conhecimento – mas já o fazendo (a chamada contradição performativa) – também este texto pretende dialogar com quem o lê.

Avelino Sá e Cristina Mateus fazem isso mesmo: dialogam com o seu público e entre si. Em comum têm o texto e o contexto; ou seja, ambos usam o texto como expressão artística em si, a par da cor, da luz, da forma.

No que concerne às peças de Cristina Mateus, todas elas apresentadas como legendas de um filme em branco (antítese do comum, já que o comum é que “no escurinho do cinema” as legendas surjam em branco), há uma clara referência ao diálogo. Foram frases, expressões, angústias que Cristina Mateus passou para a folha branca através da esferográfica preta (o regresso ao analógico depois do digital, depois do analógico) e nesse sentido, não há dúvida que se trata de um diálogo.
Ali encontramos palavras como “ouvidos”, “frase”, “lábios”, “palavras”, “conversas”, “dizer”… Mas como nos surgem isoladas, essas expressões tornam-se lapidares, às vezes risíveis, incompreensíveis já que estão colocadas fora da sequência do filme – geralmente hegeliana, com tese, antítese e síntese.

Avelino Sá comunica com o público as suas viagens e leituras que no fundo formam a biblioteca criativa do artista. Não existem nelas referências directas ao diálogo no mesmo sentido que vemos nas obras de Cristina Mateus.
Mas há outro tipo de diálogo: o diálogo velado, com várias camadas (fruto da técnica utilizada pelo artista, a encáustica, técnica ancestral que combina cera de abelha com pigmento), o palimpsesto que permite desvendar – em alguns casos com maior dificuldade do que em outros – pequenas expressões, frases de poetas como Celan ou Kavafis. Celan era aliás conhecido como o poeta do silêncio. E é o silêncio que pontua as obras de Avelino Sá. É o silêncio (“Stille”) que vemos à entrada. Não sabemos se o silêncio é branco ou negro – isso seria discutir sinestesias, o que se revela impossível – mas sabemos que em Avelino ele é branco e negro, e por vezes pontuado por linhas horizontais e verticais, mais propícias à quietude da neve (Schnee), ao vazio.

O visitante que entra depara-se – do seu lado direito – com um conjunto de frases gravadas em fundo negro, da autoria de Avelino Sá, tão lapidares com as de Cristina Mateus. E acrescentaríamos ao vocábulo “lapidares” um outro: “fotográficas” (e “cinematográficas”): “uma carpa saltou a água aquieta-se o cuco canta”.
Assim, em jorro, sem pontuação.
Segue-se o silêncio (Stille) e a neve (Schnee) (sugestão do branco sobre parede branca) e à direita, as legendas de Cristina Mateus, também elas sobre fundo branco. Pede-se uma pausa (“Não estou a perceber onde queres chegar”), mas também a continuação (“Conta-me coisas”). E novamente a pausa com a visão do pequeno rectângulo negro sobre fundo branco, como uma janela. Nele estão inscritas as palavras “velho tanque som negro um peixe salta sobre um mosquito”. À direita a série “Ecos do Silêncio”, onde o texto está também silenciado, mas não calado. E nova pausa a negro, através do pequeno quadrado em paralelo com o quadrado branco sobre a tela em branco.

“Esperou que eu viesse”.

Juliana Pinho, 2015

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