De regresso à galáxia Costa Pinheiro
De regresso à galáxia Costa Pinheiro, encontrámos agora uma nova abordagem que não apenas em nada desmente o sentido da sua obra anterior, como antes o clarifica, ampliando-lhe o sentido e iluminando-a de uma outra e mais viva luz. E não é esse, afinal, o alcance mais alto de todo o trabalho da criação? As relações entre Ela e Ele, agora, então, série sobre a qual valerá a pena reflectir. Mas não antes que me explique ainda quanto ao que para trás afirmei.
Se o actual trabalho não desmente o sentido do anterior e antes o prolonga, como escrevi, é porque no processo conceptual e formal em que a obra de António Costa Pinheiro se vem desenvolvendo, desde há mais de quatro décadas, estas novas personagens (personagens conceptuais, diria Deleuze) revestem uma significação que, não repetindo as anteriores, o que seria forma de academização, antes as actualiza. Desde logo no modo como elas servem a construir uma narrativa, aqui simplificada em extremo, que se estabelece a partir do lugar que essas mesmas personagens ocupam num outro plano narrativo que lhes é extrínseco. Darei um exemplo para tornar mais claro o raciocínio. Se, como no caso exemplar dos Reis (a série dos anos 60 que o consagraria como uma referência incontornável da arte portuguesa da segunda metade do século XX), ou, depois, na outra dos Navegadores, cada personagem se elaborava como sujeito de uma narrativa própria cujo sentido se esclarecia quando projectado na narrativa mais abrangente da própria História (e mais concretamente da história de um País) ou, em alguns casos, nessa outra narrativa mais imperceptível que é a do mito, em que por vezes a história como que se dilui, o facto é que agora a presença destes dois seres, reflecte esse processo de um modo diverso.
Antes do mais, eles são sujeitos um para o outro, sendo que nesse mútuo processo construtivo de subjectividades ambos se tornam, para nós, personagens de uma espécie de cena, ou de um teatro, cujo movimento observámos.
E porque entre si entretecem as teias de uma relação, desde logo por isso mesmo se organizam no interior de um processo narrativo que assim instituem. Processo que se constrói, de um a outro, de um com o outro, como narrativa partilhada, o que é o atributo mais nítido do próprio relacional. Todavia essa narrativa, esse serem um para o outro, ou o afastarem-se um do outro, ou o refugiarem-se cada um no espaço da respectiva subjectividade, consoante os movimentos internos da sua própria narrativa, podendo parecer à partida um acto que nos seria absolutamente indiferente, na medida em que não teria qualquer projecção na história, desde logo remete para essa outra narrativa do mito, talvez do mais universal de todos depois do mito da criação, de que é continuação directa, e que é o mito do encontro (ou do desencontro) entre o feminino e o masculino.
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Bernardo Pinto de Almeida, Janeiro 2005
Texto publicado na íntegra no catálogo da exposição “Elas e Eles” editado pela Galeria Fernando Santos