Pode o que não pesa cair?
ИOIT. Ausência de significado, ressonância de um som que evoca.
A presente exposição de Cristina Mateus emerge a partir de uma circularidade que reifica uma metodologia de trabalho desenvolvida pela artista já nos seus primeiros momentos expositivos, nesses distantes inícios dos anos noventa.
Mais interessada em questionar o poder da imagem no contexto alargado da circulação das imagens enquanto estruturas de poder, as suas narrativas visuais carecem de um sentido biográfico, ainda que se possam descrever enquanto apontamentos vivenciais imbuídos de um poderoso sentido espectral: a nudez da carne seria, neste caso, menos provocadora do que a nudez dos processos.
Poder movimentar-se num território de exposição declarada sem apontar para qualquer registo de uma (auto) representação que sempre evitou, densifica a recepção de um projecto envolto em camadas de significação desenhadas como se de uma partitura se tratasse. Momentos de certa estridência permeiam silêncios profundos, pontuações reiteradas constituem refrões indissociáveis de um leitmotiv provocador. Ser (artista). Ser (mulher). Ser (comunicante). Ser (imagem).
ИOIT. Esta impossibilidade linguística impressa por cima de uma imagem de uma paisagem anódina e nocturna (agora com o N invertido) dá o mote para a exposição. A paisagem não tem cheiro, é uma memória distante de uma paisagem vista, não sentida. Vem da construção mental de um conceito, não de uma experiência. Poderá um som ter cheiro? Movimentamo-nos por trilhos eminentemente conceptuais, porque a autora assim nos exige. O espaço da galeria encontra-se literalmente preenchido por outra desassossegadora questão: qual a temperatura da cor?
Estes Cartões constituem um exercício estranhamente convencional. Uma parábola do dever e respectivo cumprimento. A busca como fim, não o resultado como epílogo tranquilizador. Como se encontra a cor certa? Aquele vermelho é o meu vermelho, é o vermelho que me define hoje ou é o vermelho que nos (as) define na sua banalização absoluta? Repetição. Répétition. Assim se intitulava a recente exposição da artista no Capc em Coimbra. Deste vocábulo se retiraram as quatro letras que, em alinhamento invertido, geram ИOIT. A geografia de um transcurso temporal marcado pela nostalgia da diferença. Circular, então, este percurso da artista que vai povoando os nossos sentidos com uma série de intervenções que se assemelham à teimosia fundacional dos mais obstinados minimalistas: repetir o mesmo gesto, repetir a mesma acção até encontrar esse ponto de estabilização absoluta na concentração emocional e perceptiva do receptor.
Sublinhe-se, porém, que esta repetição evidencia um desconforto. Tal como a aleatoriedade opaca da anterior série de obras de Cristina Mateus intitulada Conversas pela manhã, o diálogo remete aqui para um inefável sentido de aborrecimento, para uma espécie de angústia controlada pelo sem sabor de um quotidiano plano.
Neste percurso, qual é a única imagem definidora de uma qualquer realidade, algo a que nos possamos agarrar? A nossa própria imagem reflectida nos círculos das obras nr.1, nr.2 e nr.3. Três momentos em que entramos na obra. Tranquilizador? Talvez.
Miguel von Hafe Pérez