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Cristina Mateus – Conta-me Coisas

13.01 28.02.2007
Galeria Fernando Santos (Espaço 531)
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Cristina Mateus
Conta-me Coisas

Espaço 531
13 Janeiro a 28 Fevereiro 2007

Itinerários do desejo
Por Miguel von Hafe Pérez
Janeiro 2007

Ao longo de mais de uma década, Cristina Mateus tem vindo a estruturar uma prática artística onde se convocam de forma mais ou menos explícita modos de entendimento do estatuto da mulher nas sociedades contemporâneas. Das suas apropriações iniciais de linguagens do universo mediático cruzadas com referências conhecidas de um mundo artístico eminentemente falocêntrico, até aos desvios e desestabilizações das identidades femininas que assim se esboroavam em anonimatos e silêncios significantes, esta autora nunca sucumbiu, porém, a qualquer tipo de manifesto estético panfletário. Na verdade, os seus trabalhos têm vindo a demonstrar uma particular capacidade de se movimentarem livremente num território de ambiguidades flutuantes, precisamente aquele que torna a respectiva recepção mais complexa e densa.

Esse é o carácter da presente mostra: como sempre, os meios utilizados ancoram-se numa economia mínima, aqui erigida a partir do desenho e do vídeo. Neste, entretecem-se três realidades diferentes, comuns à maior parte das linguagens audiovisuais: a imagem, o som e a legendagem. Aquilo que nos é dado a ver é um percurso urbano anódino realizado a partir do interior de um carro. O ambiente cinzento e invernoso imediatamente remete para sensações de nostalgia e desolação, algo que se acentua com particular eficácia mediante uma banda sonora minimal e repetitiva. O terceiro elemento que pontua o vídeo são legendas com frases soltas. Trata-se de uma série de fragmentos de textos dispersos, essencial mas não exclusivamente do campo literário, que remetem para o universo de uma relação amorosa e, nalguns excertos, para uma sexualidade latente, vibrante, mas por vezes reprimida. São, no fundo, itinerários do desejo, erráticos, onde encontros e desencontros agudizam o desconforto da incerteza perante aquilo que se observa, sempre sublinhados pelo fluir hipnótico das imagens e dos sons. Este percurso corresponde a uma espécie de monólogo interior, figura de estilo literária decisiva no espaço da literatura moderna e contemporânea. Aqui, porém, não temos acesso a qualquer tipo de identificação com um putativo narrador, sendo que aquilo que nos é apresentado se mantém sempre num registo distante e abstracto.

Esta obliteração de um efeito de identificação e de uma empatia imediata transcorre para um segundo volante da exposição, onde a artista reproduz através do desenho as frases que aparecem nas legendas do vídeo. As frases estão, no entanto, cortadas, assim tornando visível aquilo que a interpretação nos deixava intuir: desgarradas de um contexto unificador, elas não se completam, antes aduzem à ambiguidade que trespassa toda a exposição. Como se o desejo, o amor e a sexualidade fossem sempre modos de viver a experiência em busca de um absoluto por vir, sempre remetidos a um condicional que a rugosidade do real impede de plenamente cumprir.