Gérard Castello-Lopes
Fotografias 2004/2006
2 Junho a 15 Setembro 2007
(…) Pouco a pouco essa pulsão de fotografar o mundo foi esmaecendo e diluindo, até que, sem nunca desistir completamente de fotografar, confinei-me a retratar, a cores que era mais bonito, os aniversários dos meus filhos, o primeiro dia de escola, as férias escolares e outras cerimónias de igual jaez.
Há portanto duas fases no meu percurso fotográfico: a primeira, claramente influenciada por Henri Cartier-Bresson, um interregno de uma quinzena de anos, e a primeira exposição pública que fiz com a provecta idade de 57 anos, na “Galeria Ether – Vale Tudo Menos Tirar Olhos”, convidado pelo seu criador António Sena.
A escolha das fotografias para essa primeira exposição foi uma verdadeira descida aos infernos: os sítios já não eram iguais, os amigos tinham desaparecido ou envelhecido, tudo tinha mudado nesses quinze anos. Descobri, porém, que para além das fotografias que tinha tirado aos que trabalhavam com as mãos, umas havia que, por desfastio ou curiosidade, tinham mais a ver com a beleza do mundo do que aquelas que conscienciosamente eu tirara aos primeiros.
Aí foi a revelação. Porquê criar antipatias ou receios? Porque não debruçar-me sobre a beleza do mundo e tentar vê-lo como uma criança o vê pela primeira vez? Porque não certificar-me que todas as aparências iludem e que a realidade é infinitamente mais complexa do que dela somos capazes de retirar? É nesse instante que começa o meu segundo período fotográfico que o António Sena qualifica de “…a fotografia do Gérard desertifica-se.”
Armado de algum sentido geométrico e dum novo amor pela luz solar, pus-me a fotografar de modo mais abstracto e, no melhor dos casos, mais expressivo. Mas que fique claro que sem o tirocínio do primeiro período sob a influência de Cartier-Bresson, nunca teria sido capaz de entrar numa percepção do mundo tal como o percebo hoje. É por isso que, por exemplo a fotografia da “Pedra” que figura nesta mostra nunca poderia ter sido tirada sem tudo o que aprendi graças a Henri Cartier-Bresson. Alguém, um dia, me perguntou se o meu olhar tinha mudado. Respondi que não; o que tinha mudado era o objecto do meu olhar. (…)
Gérard Castello-Lopes, Novembro 2004
Texto publicado na íntegra no catálogo da exposição “Homenagem a Henri Cartier-Bresson” 2005
Fotografias 2004/2006
“…Do seu ponto menos expressivo – uma flutuação entre o contorno e o desfazer da forma, que decorre de um jogo de cintilações que tanto podem surgir da natureza do próprio objecto – água, ruína, transparência – até ao próprio assumir de uma afirmação da parcela de um todo que a retira do seu contexto para que possa surgir como puro jogo de formas, sem um nexo significante com a sua significação, dando origem a um puro signo decorrente da ruptura visual com o objecto primeiro (a parede de tijolo, a rede com papéis, a piscina vazia sob a cadeira e o muro). Trata-se, sem dúvida, de uma destruição do objecto primeiro da representação; e o nosso olhar é obrigado a seguir essa direcção que nos leva para o centro do invisível, o lateral, o oculto, que se impõe de um modo analítico, como se tivéssemos agora de reaprender uma nova ordem das coisas.
No entanto, nada é gratuito nesta procura de um nexo para o caos. E a cúpula que fecha e enquadra este espaço, indicando também uma verticalidade em que é restituída a perspectiva ao olhar – não só na tridimensionalidade do espaço horizontal, mas também no alto e baixo da nossa relação com o cosmos – indica uma transcendência que prolonga, muito para além de cada uma das imagens, a nossa relação com o que vemos.
No fundo, não vemos apenas o que Gérard nos faz ver, mas também o que ele nos sugere que vejamos: o seu movimento sobre o mundo, que nos conduz ao centro da fotografia, que é a matéria do invisível, onde nos espera a cadeira vazia que é o lugar do fotógrafo.”
Nuno Júdice, 2007
Texto publicado na íntegra no catálogo da exposição.