Fechar

Luís Palma – As Cidades Divididas

31.10 09.01.2016
Galeria Fernando Santos (Project Room)
Partilhar

Três anos após a Revolução do 25 de Abril, era editado, em Londres, o disco Never Mind The Bollocks Here’s The Sex Pistols. Antevia-se uma forte contestação ao sistema político que Margaret Tatcher haveria de liderar durante dez anos. No que aqui respeita, destacam-se os célebres acontecimentos de 1981 e 1985, que decorreram em Brixton e cujas imagens ficariam ligadas à música The Guns of Brixton(1); por último, mas não menos importante, a perceptível mensagem “Rot In Hell Tatcher” deixada, então, nas paredes das ruas de Belfast.
 
Com God Save The Queen, a canção emblemática, desse álbum dos Sex Pistols, iniciava-se um ciclo cujo género marcaria uma nova geração. Na acção (a atitude contava mais do que a melodia) procurava-se, ainda assim, denunciar o desemprego, a exclusão social, o racismo e a xenofobia; como descreve o filme The Summer of Sam, do realizador americano Spike Lee; ou como, exemplarmente, revela a obra fotográfica do artista Paul Graham, quando este percorreu os centros de emprego durante parte desse mandato.
 
Essa época foi determinante para aqueles que encontraram em tais músicas outro debate, distante do fim da Guerra Colonial; da identidade política entre direita e esquerda; o capitalismo e a luta de classes. Foi o caso da letra da canção Sunday Bloody Sunday, da banda irlandesa U2, que evoca esse “domingo sangrento” ocorrido em Derry, na Irlanda do Norte, a 30 de Janeiro de 1972. Deste modo, entre nós (fiéis ouvintes do “Som da Frente”) ficamos a saber que Bobby Sands era o carismático líder dos Republicanos, em luta pela independência da Irlanda do Norte.

Entre 1997 e 2000, durante a realização de alguns projectos que decorreram no Arteleku, Museu SanTelmo e Sala Rekalde, acompanhei algumas dessas manifestações pela autodeterminação do País Basco (Euskadi). Todas as questões colocadas no documentário “Bascos”, de Orson Wells, provavelmente, são as mesmas que qualquer um de nós questiona sempre que confrontados com a Língua Basca, tão “distante” e sem qualquer relação com o próprio contexto geográfico.
 
Territorialidade e Política são temas que me interessam. Visitar Belfast seria, portanto, uma questão de tempo.
 
“As Cidades Divididas” é o título deste projecto que reune um conjunto de fotografias, produzidas a partir de um mapeamento geo-político e topográfico de Belfast, o mesmo viria a servir de estudo a duas peças videográficas: Azul #1 e Verde #1. Estas são as cores que fazem parte das respectivas bandeiras que identificam os Unionistas (azul, branco, vermelho), de um lado, e os Republicanos (verde, branco, laranja), do outro.
 
No primeiro filme, a câmara percorre um gradeamento azul que circunda um bairro unionista. No topo deste é notório um “entulho” de arame farpado que revela as cicatrizes desse tempo, que esse som metálico parece acompanhar. Ao longo do filme sobrepõe-se um texto legendado,a partir de uma citação do livro “Novelas e Textos Para Nada”(2), do escritor irlandês Samuel Beckett. Nesse estilo que lhe é singular, o autor (Beckett) acrescenta ao Silêncio o Ruído; às Palavras as Lágrimas; baralha estes substantivos até a “uma única pergunta, a de saber se sempre foi assim.”
 
O segundo passa-se junto do conhecido edifício Divis Tower. Uma construção de vinte andares, em que os dois últimos foram ocupados pelo exército britânico, na década de 1970. Diz-se que servia de base a um observatório para controlar as movimentações entre “Protestantes” e “Católicos”. Ao contrário do anterior, este é um plano fixo em que o “olhar pensativo” de um jovem australiano afigura-se apreensivo, perante o testemunho de um ex-militante do IRA(3) que esteve detido pelo exército britânico até ao tratado de paz:
 
“Os soldados ingleses disfarçavam-se de civis para instigar as partes de modo a incentivar a violência.”
 
Esta curta obra videográfica faz ainda referência à presença dos Serviços Secretos Britânicos do MI5 e MI6, em Belfast, e confidencia como é que os republicanos foram apelidados de terroristas.
 
 
Notas do autor:
(1) Do álbum London Calling, The Clash,Sony Music,Londres 1979.The Guns of Brixton foi considerada pela crítica como uma das melhores músicas da geração Punk Rock. Os Clash caracterizaram-se pela música de intervenção: Sandinista é o título do quarto LP gravado em estúdio, numa alusão à Frente Nacional de Libertação da Nicarágua.
(2) Lisboa:Assírio & Alvim, Edição 0856,Abril 2006.(3) Abreviatura do inglês Irish Republican Army, (Exército Republicano Irlandês).
Agradecimentos:
Fernando Santos, Ana Amorim (edição vídeo), Lumen (edição fotografia).
 
* Por opção do autor, o texto editado não obedece ao Acordo Ortográfico em vigor.
 
Luís Palma, 2015

00