O título deste projecto foi inspirado na ideia de Iggy Pop para a criação das letras dos Stooges1. Ocorreu-me durante a produção de um conjunto de fotografias de grande formato, tiradas no interior
de uma rulote que servia de morada a um músico. Nesse espaço exíguo este ensaiava músicas do tempo em que tocava bateria em bandas de covers.
Apresentei este projecto pela primeira vez na exposição colectiva We Want Electricity, na Galeria Pedro Oliveira, em 20212. Para além dessas fotografias a cores, incluí um conjunto de imagens mais antigas a preto-e-branco e também uma pequena instalação onde, numa mesa com tampo de vidro, expus uma fotografia que tirei ao Joe Strummer nos bastidores de um concerto dos Clash, em 1981, a baqueta partida do baterista Topper Headon e uma fotografia de um soldado em Cabinda a tocar guitarra, sentado no amplificador do próprio instrumento, pousada numa das páginas do livro Nixon e Caetano: Promessas e Abandono, acompanhada, na página oposta, por duas imagens: uma do Capitão Salgueiro Maia e outra do Major Otelo Saraiva de Carvalho.
Na associação dessas fotografias e desses objectos revejo o tempo em que se cruzaram as narrativas políticas da Revolução de Abril de 1974 e o fim da Guerra Colonial, por um lado, e, por outro, o imaginário da estrada da Beat Generation e a poética pós-punk, utopia – por não querer nem governo nem Estado – que a Liberdade tornava agora acessível a uma juventude inconformada com o passado ligado a uma sociedade autoritária e ao preconceito social de que nos fala o filme Verão Escaldante.
Ainda longe de imaginar a relação que este projecto teria com o filme de Spike Lee, estabeleci no início da década de 1990 uma colaboração com transexuais e jovens com Sida para realizar uma série de retratos de estúdio que esta série igualmente documenta. O confronto entre o disco sound e o movimento punk, a transexualidade e o aparecimento do síndroma de Kaposi testemunha os vícios de uma geração posterior ao tempo em que o gesto de resistência assumia uma importância incomparável para afirmar a suspeita de existir, teimando no improviso e contornando a censura na clandestinidade3.
Luís Palma
1 “Quando comecei a escrever canções para a nossa banda, pensei ‘este é o caminho’. Tentar não ultrapassar 25 palavras diferentes ou menos. Não me via como Bob Dylan. Tentar fazer a coisa mesmo curta. Desse modo, nada haverá a apontar.” Documentário Gimme Danger, do realizador Jim Jarmuch, EUA, 2016.
2 A exposição, com curadoria de Susana Lourenço Marques, ocorreu no âmbito da programação Situação 21.
3 Susana Lourenço Marques, folha de sala da exposição We Want Electricity, Porto: Galeria Pedro Oliveira, 2021.