Desenhos e Esculturas 1960-70
Exposição produzida pela Fundação Edp e apresentada em Lisboa no Museu da Electricidade de Fevereiro a Maio de 2011 com comissariado de João Pinharanda.
“A exposição que aqui se apresenta constitui um raro momento histórico: revela-nos desconhecidos momentos de trabalho do artista (obras projectadas desde meados de 1960 a meados da década seguinte e até hoje nunca concretizadas.
O privilegiar da pintura e não menos significativas questões de mercado (ou de falta dele…) condicionaram a evolução pública da obra de Manuel Baptista. Estas obras não são aquelas através das quais o artista construiu a sua imagem mas os temas e formas são comuns aos numerosos desenhos e pinturas expostos nas décadas seguintes: arbustos e árvores, janelas com paisagem, padronização formal a partir de elementos da natureza, soluções de pintura monocromática e shaped canvas, objectos que se tornam abstractos ao estruturarem as composições (leques, camisas, gravatas,…) são os elementos-chave.
A apresentação de alguns dos inúmeros cadernos de estudos que sustentam o pensamento visual de Manuel Baptista, permite-nos seguir o seu desenvolvimento, estabelecer pontes ou perceber sobreposições entre a representação da pintura e desenho e o desejo de escultura. Estes cadernos constituem uma gigantesca base de dados, uma espécie de recolha enciclopédica em BD de todo o saber visual de Manuel Baptista. Aí se alternam experiências abstractas e representações figurativas. É nestas que Manuel Baptista concentra o seu esforço de tridimensionalização escultórica mas nunca num sentido realista ou naturalista: formas e escalas simplificam ou complexificam contornos e volumes, estabelecem jogos decorativos com as cores, os materiais e as texturas.
Objectos quotidianos mais ou menos intemporais (envelopes, camisas com gravata, mesas…), elementos soltos de cenografias naturais e/ou paisagísticas (arbustos, falésias, bouquets de flores), alguns objectos com valias simbólicas (novelos) ou algumas formas orgânicas mas derivativas constituídas por materiais comuns (réguas graduadas) compõem o corpo de trabalho que aqui se apresenta.
A meia centena de desenhos datados de 1969 a1974 (com algumas incursões posteriores até 2005), ilustram a persistência dos temas e, mais significativamente ainda, a transferência e/ou sobreposição entre aquilo que são os esboços e projectos, as obras bidimensionais autónomas e, finalmente, as esculturas concretizadas.
O que podemos considerar de maior importância nesta exposição é a alteração de dados factuais que proporciona à historiografia nacional. Com uma isolada experiência de recuperação de um dos seus projectos escultóricos (Anos 60 – Década de Ruptura, Palácio Galveias, Lisboa, sob comissariado de António Rodrigues) Manuel Baptista junta-se agora a artistas que, como Ângelo de Sousa (em 2006, em Lisboa, no CAM e na Cordoaria Nacional, sob comissariado de Nuno Faria) ou Jorge Pinheiro (no CAM, em 2001, e, no Porto, em 2010, na Galeria Fernando Santos), realizaram ou revelaram um impressionante conjunto de objectos escultóricos das décadas de 1960 e 1970 em Portugal.
Pelos seus temas, materiais e escala as obras de Manuel Baptista aproximam-no do discurso ocidental do seu tempo. Estamos perante uma situação conceptual nova que deve ser historicamente considerada. Provam-no o desejo de experimentação de materiais que os seus projectos revelam, a negação dos materiais nobres, a opção pelos materiais industriais (néons, alumínios, contraplacados, plexiglass, fibra de vidro…), o desejo de simplificação dos contornos e volumes, a associação entre linha e volume, cor não ilustrativa e forma não naturalista, a assumpção das obras escultóricas como não-monumentos. Ou, bastaria o simples desejo de alteração de escala de todos os objectos representados, a redução do que é gigante (por exemplo, as falésias) e o agigantamento do que é naturalmente pequeno ou manuseável (por exemplo as camisas), para provar como radicalmente inovadora a afirmação destes trabalhos no seu tempo histórico.
Porém, o quotidiano evocado é intimista e culto: a moderação das cores e sua organização tonal e ainda as referências paralelas ao natural e ao artesanal travam uma associação fácil à Pop Art. Devemos pensar que a sua abordagem parte de um olhar tocado pela poética crítica da Arte Povera e do Nouveau Réalisme; e ainda pelo modo como recebeu e entendeu a particular situação política, social e tecnológica portuguesa de onde partia e onde regressou.
A obra que agora apresenta recupera para o plano da actualidade um tempo passado; poderá ser hoje entendida, absorvida ou tornada produtiva se vista como uma “sobre-escultura”, trabalho de reflexão e prática sobre uma disciplina, deslocação de alguns significados básicos da representação do real (as escalas excessivas), instalação de uma estranheza, mesmo no reconhecível (a mesa que se prolonga no espaço, por exemplo).
Devemos procurar percebê-la entendê-la no actual contexto plural e em deriva: as esculturas de Manuel Baptista serão capazes, assim, de recuperar a ambição eufórica, o humor feliz e a genuína alegria que determinou a sua concepção.
João Pinharanda
Lisboa, 31 Janeiro de 2011
Breve nota biográfica
Manuel Baptista nasce em Faro em 1936.
Em 1957 parte para Lisboa, onde frequenta o curso de Arquitectura na ESBAL (Escola Superior de Belas Artes de Lisboa), que mais tarde abandonará para se dedicar inteiramente à Pintura, curso que conclui em 1962. Nesse mesmo ano parte para Paris, como Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, onde reside até 1963. Em 1968 vive em Ravena, Itália com uma Bolsa do Instituto de Alta Cultura.
Entre 1964 e 1972 foi Professor Assistente de Pintura na ESBAL, onde teve como alunos nomes como Eduardo Batarda, Cristina Reis, Fátima Vaz e Helena Lapas, entre outros.
Em 1972 executa a Intervenção plástica sobre painéis de madeira na Dependência de Sacavém do Banco Nacional Ultramarino. Dois anos depois, 1974, participa na pintura colectiva comemorativa da Revolução de Abril realizada na Galeria de Arte Moderna, em Belém. Entre 1977 e 1980 desloca-se regularmente a Lippstadt e Schmallenberg, na República Federal da Alemanha, onde trabalha e realiza quatro tapeçarias para a Fábrica Falke (Imago). Em 1988 apresenta a primeira retrospectiva de desenho e pintura (1956-1988), no Convento do Espírito Santo, Loulé. Assume a Direcção das Galerias Municipais de Faro (Trem e Arco) em 1990 e realiza a segunda retrospectiva de pintura (1963-1990) na SNBA (Sociedade Nacional de Belas Artes), Lisboa. Manuel Baptista vê concretizada a sua primeira exposição antológica em 1996, na Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, Almada. No mesmo ano realiza os primeiros estudos para a intervenção plástica na estação Quinta das Conchas, Lumiar, Metropolitano de Lisboa.
Mais de três dezenas de exposições individuais e quase quarenta exposições colectivas, o artista conquistou, entre outros, o Prémio Soquil de Artes Plásticas (1970), Prémio Arus de Pintura ( 1982, l Exposição Nacional de Arte Moderna Arus), Grande Prémio de Pintura da IV Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira (1984), Prémio BANIF de Pintura (1993).
Muito recentemente, foi-lhe atribuído o Prémio de Melhor Exposição do Ano, pela Sociedade Portuguesa de Autores com a exposição “Fora de Escala” apresentada em 2011 no Museu da Electricidade e que agora se poderá ver na Galeria Fernando Santos.