Cabrita talvez seja mais reconhecido publicamente pela sua produção escultórica, de instalação e intervenção no espaço, do que enquanto pintor. A pintura é central em toda a sua prática. E o artista nunca deixou de reclamar: sou um pintor! As instalações com luz procuram a luz no espaço tanto quanto as pinceladas se exibem ou ocultam na bidimensionalidade. As esculturas são frequentemente o resultado de uma assemblagem, técnica eminentemente pictórica. A verdade é sempre um gesto. Ou, se preferirmos, uma intenção seguida de um gesto. A verdade que o artista definiu, em 1984, assim: “A pintura forja a única verdade possível para entender a realidade. Essa reveste, em cada tempo, mitos, mortes, tudo o que é comum às inquietações dos homens. Aos artistas, aos pintores, estando-lhes imputada a guarda dos tesouros compete-lhes também o rigor e a efervescência com que em cada quadro oficiam estes rituais.”
Contra os truques que habilmente desaprendeu, aqui ressoa a imediatez do necessário. A figura humana e a paisagem: os grandes temas nunca elididos. Na primeira, a sua sugestão, no fumo, no espelho, na mesa e até na referência erudita ao nu…na segunda, o rio (sempre o rio!), as janelas (metáforas da própria pintura).
Esta é uma pintura que não mente. A mão está lá. As ideias revelam-se na clarividência do singular. Não poderia existir pintura similar, porque aqui Cabrita expõe-se sem hesitação. Ainda que possa não parecer, esta é uma continuada busca pela beleza. A transparência da feitura determina-se pela sempre almejada primordialidade. Num arco de mais de quarenta anos de trabalho, o mesmo fulgor, a mesma indomável vontade de apreender o mundo para nele se inscrever de tantas e notáveis formas.
Voltemos às palavras do artista, agora em 2018: “Um risco num papel ou uma parede de tijolos com cinquenta metros de comprido são, ao fim e ao cabo, uma e a mesma coisa. Porque são o lugar de afirmação da individualidade do autor. E para essa individualidade do autor ser permanente em criatividade, em confrontação, em permanente exercício de transformação do mundo, o que é que é preciso, o que é que está na base disso? Uma ferramenta muito simples e que é, de fato, a ferramenta mais importante do artista. Ou seja, a curiosidade.”
Miguel von Hafe Pérez