Priscila Fernandes (Coimbra, 1981) é uma artista portuguesa que vive em Roterdão, Países Baixos.
Mantendo uma continuada e consistente carreira internacional, atualmente leciona na Gerrit Rietveld Academie em Amesterdão.
Mediante uma reflexão incisiva sobre os sistemas de representação, educação e socialização nas sociedades modernas, a artista tem vindo a utilizar um amplo espectro de meios, como o vídeo, a instalação, a fotografia e o desenho para cartografar uma visão que cristaliza o modo como se estruturaram modelos de convivialidade, trabalho e desenvolvimento comportamental. Partindo de narrativas históricas (como por exemplo na figura de pedagogos ou pintores modernistas) ou ficcionadas (onde as utopias servem de metáfora para a fuga ao convencional), Priscila Fernandes estabelece paralelos inesperados entre mecanismos de jogo e estruturas de organização de trabalho, entre a aprendizagem e o condicionamento social.
Se essa linha de trabalho lhe deu reconhecimento nacional e internacional (nomeadamente com o Prémio Edp Novos Artistas em 2011 ou a participação na Bienal de São Paulo em 2016), a presente exposição, intitulada Luísa’s Wedding poderia ser percebida como um ponto de ruptura com práticas e métodos anteriores.
Formalmente concebida a partir das tradicionais disciplinas da pintura e do desenho, esta mostra remete, no entanto, para uma recorrente matriz conceptual que ancora grande parte da prática desta autora: a adequação de uma linguagem plástica a um determinado contexto propositivo – a tensão que daí pode advir -, e os jogos percetivos, ainda que histórica e socialmente condicionados, que dispositivos como a cor e a composição reclamam do espectador.
Dividida em dois núcleos que repercutem os diferentes ambientes lumínicos do espaço expositivo, nas salas principais apresentam-se pinturas de média e grandes dimensões; nas salas recuadas dois painéis de desenhos. As pinturas são encáusticas sobre algodão cru, que se deixam atravessar por uma transparência que contribuí para o seu reiterado estado aquoso. As cores quentes parecem responder ao processo de aquecimento da cera como aglutinante que esta técnica implica, num procedimento que aponta para uma execução mais intuída do que compositivamente estruturada – o que aliás corresponde à necessidade de trabalhar com alguma rapidez, dado o tempo relativamente curto de secagem. Nos desenhos não se deteta o efeito de transparência do algodão cru: a cor é mais fria, as composições mais simples e fragmentárias.
Neste movimento pendular entre o êxtase e a distensão, estas obras estabelecem uma tessitura indeterminada no espaço e no tempo, um magma errático do agora como fluxo vital na exploração da felicidade pura.
Luísa’s Wedding é uma exposição libertária, fluída, onde o prazer assume um devir político. Nestas pinturas onde corpos gravitam sem regra, o cânone é o da felicidade do encontro, do toque, da miscigenação e diluição de fronteiras entre géneros.
O prazer do lazer em intervalo existencial do determinismo racional da suposta eficácia económica e social. A arte como possibilidade de abrir parêntesis significativos no expectável. É esta a discreta magnitude da presente proposta de Priscila Fernandes.
Miguel von Hafe Pérez, 2018
(A Galeria e a artista agradecem o apoio concedido pela In4Art, Mondriaan Fonds, Países Baixos e CBK R’DAM)