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Rubén Rodrigo – Continuidad de los Parques

14.06 03.08.2025
Galeria Fernando Santos
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A Pintura na Continuidade dos Parques

Pintar a pintura, utilizando nada mais do que a própria pintura pela cor. Utilizar a cor como explosão de contágio por todo o espaço, alastrando-a na formatação de uma pintura que se reduz a si mesma e por isso se desenvencilha de qualquer excedência externa. Pintar na pintura a aventura sígnica pictórica, altamente concentrada e eminentemente reacionária a interferências ou condensações interpretantes não irrigadas pelo próprio acto de pintar. Assim são as obras de Rubén Rodrigo, continuador da imersão activada de uma conformação auto-exclusiva do domínio da inscrição pictórica, desassociada de quaisquer referentes que sobre ela possam vir a ser depositados como excrescências parasitárias. Em primeira instância associamos a sua prática às incisões subtis de camadas e associações cromáticas de Helen Frankenthaler, ou às formatações de envolvimento total ou de deslizamento e resvalamento de tinta de Gerhard Richter. Contudo, para além destas ligações, Rodrigo insere-se numa actividade de proliferação ubíqua nos territórios da pintura, interligando zonas de contágio pelas operações do gesto aleatório, não necessariamente da action painting (Jackson Pollock) ou do tachisme (Georges Mathieu), mas de uma incursão metodológica pelos universos orientais da depuração cristalina do evento singular, unificado pela contingência do momento de inscrição. Antes de qualquer complexificação de confrontos entre tessituras de cor, pressentimos a singeleza da simplicidade do acto de inserir na pintura a doação singular da instabilidade do preenchimento irrepetível das soluções coloristas, unificadas pelas suas diferenciações tonais.

Josef Albers na sua obra Interaction of Color refere que as cores depositadas numa superfície não são entidades estáticas, impassíveis de relação, mas altamente voláteis pelas reciprocidades ou antagonismos relacionais por elas desencadeados. Assim vemos as obras de Rubén Rodrigo, onde as cores disseminam-se como entidades que recusam valores absolutos (hierarquicamente quantificados), para se dinamizarem por condições lumínicas, dimensões, valores e tonalidades cromáticas, contingências de afectividade entre matizes e zonas de contacto. As cores em Rodrigo são prodigiosos mapas de territorialização nómada, (des)ocupando lugares para reincidirem novamente com estratégias diferentes. Junções, sobreposições, justaposições, regiões de coligação, istmos coloristas de elaboração metodológica, de exteriorização do evento gestual de preencher espaços-outrora-isentes de vida. Os espaços de intervenção dão lugar a inaugurais origens de acção, onde o acaso e a instabilidade se elevam a instrumentos matriciais de uma pintura abnegada e comprazida com a sua própria formatação: pintura revelada pela pintura, como aventura ímpar e inigualável da exclusividade conceptual do gesto pictórico que se representa a si mesmo.

Pintura que recusa os artifícios da metáfora ou da exposição metonímica de interpretação (embora não os exclua radicalmente), que subsume os atrevimentos discursivos a uma mera estéril loquacidade que tudo pretende alcançar numa pintura que nada tem para comunicar. Nesta não-comunicação ou recusa renitente de se mostrar como sintoma passível de interpretação, a pintura de Rodrigo não se deixa enveredar pelas buscas incessantes anamnésicas de um passado codificado no seu tecido pictórico, pois ela em vez de tentar retraçar um passado é amnésica, indefinida enquanto estratégia visual de um pensamento subjacente e altamente obstinada em não desvelar potenciais historiais aliados a processos discursivos de catalogação. Esquecida do mundo objectual, das figurações, das representações, das ocasiões conceptuais extra-artísticas para se condensar e imobilizar na condição fundacional da sua génese: pintar retratando-se.

Talvez o título da exposição, Continuidad de los Parques, seja a instância conceptual mais ajustada como possível metaforização (aqui podemos usá-la) da pintura de Rubén Rodrigo. O homónimo conto de Julio Cortázar traça uma narrativa que mais do que exteriorizar um acontecimento, volta-o para o seu interior, que se enovela numa indistinção fundamental entre leitor e personagem, numa indefinição absoluta. A ausência de limites desta metaficção inverte a passividade em actividade, neutraliza os ensimesmamentos de um leitor despreocupado que lê, levando-o a consciencializar-se que de repente passou a ser personagem activa na dimensão narrativa ambígua. Cortázar narra que o leitor/personagem deixava-se ir hacia las imágenes que se concertaban y adquirían color y movimiento[1]. Não será este o instante de cristalização, em que Rodrigo se torna o observador/pintor de uma pintura que se executa por um processo de intensificação do seu interior, denegando qualquer interferência externa? Não será a pintura de Rubén Rodrigo a metáfora mais certeira da metapintura?

Rodrigo Magalhães


[1] CORTÁZAR, Julio. Final del Juego. Penguin Random House, Barcelona. 2016, p.11-12.